Denise descobriu que era insuficiente renal na sequência do que achava ser uma simples infeção urinária. Estávamos em 2008 e cerca de uma década depois Denise já precisava de fazer diálise peritoneal, técnica de substituição da função renal, e poucos meses depois viu-se mesmo obrigada a começar a fazer hemodiálise.
A qualidade de vida de Denise mudaria radicalmente em 11 de Fevereiro de 2023, data que ficou gravada não apenas na história da sua família, mas também na do Hospital de Santa Maria: nesse dia, as equipas do então Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte realizaram o primeiro transplante renal cruzado no longo historial do Hospital nesta área, iniciado em 1989 e que conta já com perto de 1300 (1272) transplantes. E Denise e o marido ficam para sempre ligados a esse momento.
Denise e Marco partilharam a sua história na formação “Doação em vida – conversas informais”, organizada neste mês de Maio pelo Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal da Unidade Local de Saúde de Santa Maria com o objetivo de divulgar e desmistificar a doação em vida. Um momento único de partilha e de homenagem a quem de forma tão altruísta contribui para a melhoria da qualidade de vida do doente renal crónico.
Este evento, destinado à população de doentes renais crónicos e a todos os cidadãos interessados na doação em vida, organizado em modelo de entrevista, contou com a partilha da experiência de dadores e de recetores de transplante na ULSSM. “Quando se colocou pela primeira vez a questão de a Denise receber um transplante de rim, a ideia era ser em dador cadáver. Foi o médico que acompanhava a minha mulher que lançou a questão de poder ser eu o dador”, recorda Marco, que entre sorrisos conta que nunca partiram de si os receios em relação a essa solução. “Foi mesmo a Denise que mostrou mais medo, pelas consequências que podia ter para mim”.
Alice Santana, nefrologista e coordenadora do programa de Transplantação Renal da ULS Santa Maria, explica que essas questões são habituais entre os doentes que recebem órgãos de familiares e que levantam dúvidas sobre os impactos que o transplante pode provocar nas pessoas mais próximas.
No caso de Marco, um mês depois do transplante já andava de bicicleta com o filho e algumas semanas depois voltou a jogar futebol. Hoje, garante fazer uma vida normal e nem por um segundo hesita em dizer que voltaria a fazer tudo outra vez. “O ganho para a nossa família foi enorme”.
A mesma garantia foi deixada por Sónia, outra das participantes e uma das grandes impulsionadoras destas conversas de partilha, que doou um rim a um primo. Apesar do confessado medo de tudo o que envolva agulhas e outros procedimentos – “quando era criança, não queria levar vacinas e nem ao dentista queria ir” – não teve dúvidas quando se colocou a questão de ser dadora do familiar.
“Os doentes têm muito sofrimento, o meu primo fazia 4 vezes diálise por semana. O verdadeiro sofrimento é de quem vive e de quem vê viver a insuficiência renal”, destaca Sónia, que relata ainda o que disse ao primo quando todo o processo terminou. “Disse-lhe que não me devia nada, que não devia ficar com qualquer sentimento de dívida para comigo. O transplante correu muito bem e a equipa de pós-operatório aqui em Santa Maria foi maravilhosa”.
A transplantação renal é o melhor método de substituição da função renal dos doentes com doença renal crónica em estádio 5. Em comparação com a diálise possibilita uma maior longevidade e uma melhor qualidade de vida.
A transplantação pode ocorrer com rins de dador falecido ou de dador vivo, contudo a doação em vida permite a realização do transplante de forma programada, preferencialmente antes de iniciar outra técnica de substituição da função renal e evita espera em lista por um rim de dador falecido.
Em Portugal, qualquer cidadão nacional ou estrangeiro residente pode ser dador de um rim, desde que clinicamente não apresente nenhuma contraindicação médica ou cirúrgica para a doação. Os cidadãos estrangeiros não residentes também podem ser dadores, mas o procedimento carece de autorização judicial.
A doação pode ser dirigida, quando um dador se propõe doar a um determinado recetor, seja familiar, amigo ou conhecido, ou não dirigida, quando um dador faz uma doação de forma anónima e sem saber quem vai receber o órgão doado.
Na ULS Santa Maria a Unidade de Transplantação Renal iniciou a sua atividade em 1989 e realizou até ao momento 1272 transplantes. Iniciou o programa de transplantação com rim de dador vivo em 2002.
A consulta de avaliação pré doação dos potenciais dadores é efetuada por uma Equipa multidisciplinar coordenada por Maria João Melo e está aberta a qualquer cidadão interessado na doação em vida.